Como fazer o Kintsugi de um relacionamento após um desentendimento forte no trabalho

“Emoções fora do controle fazem das pessoas espertas, estúpidas.” Daniel Goleman

Antes de qualquer outra coisa, me permito colocá-los no contexto do que significa Kintsugi. O Kintsugi é uma prática de restauração oriunda do Japão que consiste em soldar um pedaço de cerâmica quebrada, inserindo poeira de ouro, prata ou platina nas rachaduras para repará-lo e, ao mesmo tempo, sublinhar as juntas para expor a falha. As fraturas e seu reparo são expostos em vez de ocultos e passam a ocupar um lugar central na história e na estética do objeto.

Trazer à tona essa memória o enobrece. Aquilo que sofreu danos e sobreviveu pode ser considerado mais valioso, mais bonito.

Kintsugi não é apenas uma técnica de ourives, é também uma filosofia de vida para os ourives que a praticam.

Os ambientes de trabalho são comunidades, construídas ao redor do conjunto de relacionamentos que as pessoas têm entre si. Decisões de curto prazo, planos de negócios de médio ou longo prazo, carreiras individuais, futuro pessoal, tudo é conversado entre os membros dessas comunidades que protagonizam, desde seus lugares de fala, encontros ou desencontros que são altamente suscetíveis a diversas variáveis, especialmente às variáveis emocionais próprias dos relacionamentos prolongados, estáveis em quanto duram e, muitas vezes, com assimetria de poder nessas relações. O público, o privado e o íntimo de cada um de nós entram em jogo a cada interação relevante com outro.

Quando esses relacionamentos são fortes e saudáveis, eles são uma fonte de energia, aprendizado, suporte mútuo e, como consequência uma alavanca para o desempenho individual e grupal dos membros dessa comunidade ou, ao menos, das diversas partes delas que costumamos chamar de equipes. Eles são com uma peça de cerâmica, inteira, útil, feita artesanalmente. Valiosa, mas frágil.

Mas, quando esses relacionamentos se quebram ou se racham, ainda que seja por um certo período de tempo, se transformam (com a mesma força !!!) em fontes de frustração e/ou vários outros sentimentos que, inexoravelmente, terminam prejudicando tanto às pessoas quanto às equipes e em ambos os casos, obviamente prejudicam a capacidade organizacional de alcançar resultados.

Se descuidado, se fazemos de conta que não existiu (ou que não existe no momento!) até um desentendimento menor pode crescer até ficar fora de controle emocional, levando a frustração inicial a novos patamares que conhecemos como enojo, raiva ou até ressentimento, num espiral de emoções (e comportamentos decorrentes das mesmas) que, certamente, tornará aquela rachadura inicial numa quebra em muitos pedaços dispersos, fazendo com que a recuperação desse relacionamento seja cada vez mais e mais difícil. Assim como é difícil, quase impossível, utilizar a técnica do Kintsugi numa peça à qual lhe faltam algumas partes.

Cada um de nós, com certeza, já viu acontecer ao nosso redor (como expectadores ou como protagonistas), essa espiral que cresce em frequência e intensidade com o passar do tempo e eventualmente leva a comportamentos que, ineficazes para resolver qualquer situação, prejudicam não só o relacionamento em questão mas todo o ambiente ao redor dele e, consequentemente tanto a capacidade de dois profissionais trabalhar juntos eficazmente quanto o clima da equipe, estressando aos membros da mesma (numa sala de reuniões ou numa videoconferência remota, não importa) já que todos estarão esperando o próximo embate, a próxima rachadura naquela preciosa cerâmica.

Assim, líderes, gestores ou membros de uma mesma equipe precisam ser capazes de administrar e/ou recuperar relacionamentos em seus momentos mais difíceis, agindo como ourives desses relacionamentos, já que eles certamente, em algum momento, passarão pela inevitável situação de conflito gerado pelas pressões do dia a dia em prol de resultados.

Existe muito material advindo de pesquisas, livros, publicações especializadas ou palestras em eventos, sobre as melhores formas de reparar os relacionamentos quando eles apresentam uma rachadura notória ou até quebram.

Me permito aqui apresentar um Modelo simples, com 3 Pilares, que descreve o que cada um de nós pode fazer para tornar preventivamente suas relações mais resilientes ou agir com mais efetividade como um “ourives” dos seus relacionamentos, se for o caso, num contexto cotidiano de tensões e potenciais conflitos.

Um Modelo que se fundamenta na capacidade de cada um de nós para gerar interações eficazes, emocionalmente sadias e operacionalmente produtivas. Essa capacidade é o resultado de ocupar-se dos relacionamentos, tomando decisões conscientes e deliberadas para cuidá-los e evitar ou minimizar as possibilidades que os mesmos rachem ou se quebrem, sem acreditar que todos os relacionamentos no ambiente de trabalho serão naturalmente fáceis de criar e manter sem demasiado cuidado.

1)   Revisitar e agir sobre o “tom emocional” da relação neste momento

Os conflitos têm, frequentemente, uma causa e sobretudo um impacto emocional.

Não é sempre um único problema grande a fonte de conflito. Mesmo pequenos problemas, se acumulados e descuidados, criam tensão entre nós e os outros, o que pode fazer com que optemos pelo afastamento, como defesa frente a sentimentos tais como mágoa, frustração ou até raiva. Mas, ao invés de optar pelo afastamento, provavelmente o melhor a ser feito é revisitar o “tom emocional” da relação no momento quando identificamos alguma tensão surgindo.

Uma maneira interna de fazer isso é procurar refletir sobre o histórico desse relacionamento e, se existirem, identificar e explicitar para nós mesmos as memórias positivas do mesmo. Este exercício inicial pode ser suficiente para refortalecer o vínculo e atuar como uma rede de segurança emocional para o relacionamento.

Isso não significa ignorar as emoções negativas que cada um pode estar sentindo. Em vez disso, pensar reflexivamente sobre a história positiva compartilhada pode ajudar a contrabalançar os sentimentos negativos e permitir expressá-los com eficácia. O objetivo é criar um ambiente seguro e de apoio no qual você possa expressar seus sentimentos sem prejudicar ainda mais o relacionamento.

Para revisitar e agir sobre o “tom emocional” da relação neste momento e “melhorar a qualidade do ar que respiram” tanto os envolvidos quanto seu entorno, algumas dicas são:

* Coloque o assunto sobre a mesa. E colocá-lo de forma rápida (quase precoce!) e oportuna. A ideia é nomear e explicitar “imediatamente” a tensão e permitir um ao outro que expressem seus sentimentos negativos. Aqui pode aparecer a primeira surpresa, ao descobrir, por exemplo, que sua visão da situação não é compartilhada, genuinamente, pelo outro. De qualquer forma é importante também que ambos possam mencionar seus sentimentos positivos sobre o futuro do relacionamento (“Eu sei que não estamos concordando com essa questão agora e também sei que isso é preocupante para nós dois, mas sou otimista quanto à nossa capacidade para resolvermos isto juntos.”). Se não existiam até agora, esta é uma oportunidade ímpar para estabelecer normas para o relacionamento que gerem segurança psicológica para os envolvidos, sabendo que essas normas, pelo simples fato de haverem sido desenvolvidas em conjunto melhorarão a estética, a resistência e a durabilidade do mesmo. Você e a outra parte, já estarão agindo como ourives de Kintsugi do seu relacionamento a partir deste ponto.

* Faça um pit stop. Nas corridas de carros, o pit stop é uma parte integrante da estratégia e da execução da corrida. Não é uma parada aleatória nem, muito menos, inútil. Um pit stop bem-feito, pelo contrário pode ajudar a ganhar uma corrida. Assim, aposte por um pit stop excelente, para o relacionamento que se encaminha ou está em situação de tensão ou conflito. Desacelere previamente, aja com precisão durante o mesmo e acelere oportunamente de novo. Uma pausa na reunião, um café compartilhado, uma “costura prévia” antes da próxima reunião pública ou uma revisão de um outro projeto conjunto que esteja indo bem são bons exemplos de pit stops no mundo corporativo e muitas vezes servem para que as emoções se acalmem e, assim, poder aliviar as tensões presentes.

* Seja generoso e mostre coragem falando do futuro. Faça uma oferta de futuro para a outra parte, não espere receber para depois oferecer. Deixe clara sua oferta de futuro para a relação, explicite (se for verdade!) que acredita que esse relacionamento é importante e que entende que ambos desejam restaurar sentimentos positivos mútuos. Lembre a outra pessoa dos elementos positivos de seu relacionamento e de seu desejo de ter interações mais positivas no futuro (lembre-se que criaram em conjunto algumas normas que tratam disso). Esta atitude generosa e corajosa, neste momento de conflito, pode ajudar a evitar que o conflito atual contamine todo o relacionamento e, portanto, as cores do Kintsugi, ao invés de embelezar a peça, simplesmente a cobrirão por completo.

2)   Articular um relato compartilhado sobre a situação 

Como um relacionamento se recupera de um conflito e até se recupera ou não após ele, depende em parte dos relatos que fazemos da situação para os outros, sim, mas também para nós mesmos.

Nesse sentido, é importante, claro, ter uma explicação pessoal do que você vê como a causa do conflito. Mas um ambiente seguro para o diálogo seguro deve estimular também que possamos solicitar a explicação pessoal do outro envolvido na situação. Uma vez mais a ideia generosa é oferecer antes de pedir e, em seguida, usar ambos os relatos para trabalhar em conjunto para chegar a um entendimento comum do que aconteceu e por quê. Se cada pessoa tiver uma interpretação diferente ou negativa, e essas diferenças não forem explicitadas e tratadas não haverá uma base compartilhada a partir da qual reconstruir o relacionamento.

A intenção de criar um relato compartilhado é que esse processo de diálogo pode aumentar a disposição das pessoas envolvidas para perdoar e se reconciliar, se ambas forem capazes de assumir o melhor, ao invés do pior, sobre as intenções dos outros. Assim, é importante deixar claro que não se trata de buscar ou atribuir “culpa” a uma ou outra pessoa como fonte do conflito, mas sim identificar as disfunções na forma pela qual se estão relacionando, para poder eliminá-las ou, ao menos, minimizá-las e, uma vez mais, ganhar consciência sobre o assunto para agir de forma cuidadosa e intencional na relação daqui em diante.

Por exemplo, em vez de culpar a si mesmo (“eu estava comprometido demais e pressionei muito”) ou ao seu colega de trabalho (“ele/ela não priorizou o projeto porque não lhe convinha”) pelo incumprimento de um prazo, vocês podem refletir em conjunto sobre como ambos os comportamentos contribuíram para a geração da tensão ou do conflito (“nós não verificamos com suficiente frequência os avanços para garantir que estávamos no caminho certo”).

Este relato compartilhado indica que o relacionamento deve melhorar, claro, mas também sugere maneiras de criar um processo relacional mais positivo no futuro. Nesse trabalho quase artesanal de cuidado com o relacionamento, ambos os envolvidos agirão uma vez mais, como ourives cuidadosos de Kintsugi para recompor a preciosa peça original.

Ao criar seu relato compartilhado sobre a situação, proponha a reflexão conjunta sobre:

“Como chegamos neste ponto?” Ofereça à outra pessoa seu relato sobre os danos gerados ao relacionamento e, a seguir, peça a ela que relate sua própria visão sobre o assunto. Nesse diálogo, aja com integridade ao dizer e mantenha-se aberto ao ouvir. Usar truques ou ardis discursivos, posicionar-se ou posicionar a ambos como vítimas, ficar na defensiva ou ser condescendentes não fará mais do que impedir a restauração do relacionamento. Só uma atitude de protagonista e de genuíno interesse por extrair aprendizados desta situação permitirá tanto a recomposição da situação de hoje com a expectativa de um futuro mais amadurecido e efetivo para o relacionamento. Um detalhe a mais…. esta conversa só pode ser conduzida através do diálogo, não da troca de e-mails ou de mensagens de WhatsApp!

* “Fomos nós, os dois, que contribuímos para o problema!” Não se concentre na busca de um ou dois (ou mais….) culpados. Não é sobre pessoas, é sobre a dinâmica do relacionamento em si. Estimule o diálogo sobre como vocês interagem um com o outro que tenha contribuído para o problema atual (“nossas reuniões sobre o assunto sempre são imprevistas”, “temos tantos assuntos para tratar que a cada encontro tratamos de tudo por igual, sem uma pauta específica” ou “não temos conseguido ser assertivos em relação aos problemas que apareceram”, por exemplo). Em vez de culpar um ao outro, esse enfoque no relacionamento e sua dinâmica poderá ajudá-los a identificar se na origem do problema há aspectos que cada um possa decidir mudar ou possa, ao menos, influenciar para mudar.

* Verifique o saldo da “conta corrente conjunta” emocional. Quanto mais você refletir sobre o histórico do relacionamento, enxergue os “depósitos” e os “saques” que cada um fez nessa conta corrente conjunta ao longo do tempo, mais fácil será articular um relato conjunto sobre a situação atual e eventualmente, verificar que este evento negativo é uma exceção (um “saque”) e não a regra (os “depósitos”) da dinâmica de relacionamento com esse outro. Isso lhe confere aos momentos difíceis o potencial para servir como oportunidades de aprendizado e desenvolvimento. No entanto, não esqueça que toda conta corrente, se houver descuido com as despesas, corre o risco de “entrar no vermelho” e se não houver atenção contínua, uma dose certa de ousadia ou agilidade nas decisões em relação ao saldo positivo, pode perder a oportunidade de maximizá-lo com um investimento adequado.

3)   Desenvolver perspicácia relacional (A agenda ESG da relação)

Se defrontando com um conflito, é fundamental que, além de revisitar e agir sobre o “tom emocional” da relação no momento e de articular um relato compartilhado sobre a situação, estejamos dispostos a experimentar novas formas de interação ou seja de desenvolver o que podemos chamar de perspicácia relacional, para cuidar da mesma.

Frequentemente, respondemos às rachaduras ou às quebras de um relacionamento desprezando as leituras que não são as nossas. Permanecemos reféns da nossa interpretação dos eventos ou da nossa solução histórica preferida, seja em relação à situação que gerou o conflito atual ou à forma em que historicamente resolvemos nossos conflitos. Ou seja, cegos a quaisquer possibilidades de fazer algo diferente.

Se, em vez disso, pudermos olhar com perspicácia para a situação, de uma forma ampla que leve em consideração os danos que a mesma causa ao clima de trabalho (Environment da relação), a nós mesmos e aos outros membros da comunidade laboral ao redor envolvidos no conflito (Social da relação), uma vez que todos fiquem inseridos num relacionamento difícil que, às vezes, até se descola das melhores práticas da empresa (Governance da relação) em relação, por exemplo, aos valores que a mesma declara como importantes.

Tudo isso atrapalha não só a dinâmica relacional produtiva dos envolvidos quanto os processos e os tempos operacionais tornando, assim, difícil a gestão dessa relação tanto para os protagonistas dela quanto para os seus gerentes (às vezes prejudicando a operação, os tempos dos processos decisórios, as expectativas de desempenho ou até de potencial de crescimento de carreira).

Frente a este cenário, só a atitude de procurarmos uma abordagem diferente e criativa para lidar com tensão cotidiana e resolver os conflitos com base num olhar amplo nos trará maior probabilidade de consertar o relacionamento rachado ou quebrado e até mesmo de fortalecê-lo através da prática desse verdadeiro Kintsugi que é a gestão eficaz de relacionamentos

As próprias “rachaduras” podem ser um sinal de que algo no relacionamento não estava mais funcionando bem e tentar uma abordagem diferente para interagir com os outros pode nos permitir quebrar velhos padrões e construir formas mais produtivas de lidar com determinados relacionamentos que assim o requererem.

Certamente, desenvolver perspicácia relacional é desafiador, especialmente quando as coisas estão tensas. Ao intentar desenvolver perspicácia relacional, então, considere as dicas a seguir:

* Prepare-se, para poder improvisar. Assim como numa jam session entre grandes músicos, só o preparo técnico prévio desses artistas, faz do improviso uma sessão musical memorável. Uma boa improvisação requer preparo (e muito!) individual prévio e, ao menos, um pouco de contexto. Assim, ao invés de assumir que seus relacionamentos serão todos tranquilos e sem problemas (“será fácil porque falamos a mesma língua”, “estamos do mesmo lado” ou “não há dúvidas que esta é a melhor opção”), pense no futuro e aceite que a comunicação, à qual tanto cultuamos, é ela mesma a fonte de potenciais mal-entendidos e desentendimentos. Por exemplo, se você precisa renegociar coisas tais com partidas orçamentarias, alocação prioritária de recursos ou distribuição de carga de trabalho entre pares, não assuma um acordo fácil. Em vez disso, pense nas razões pelas quais um outro pode se opor ao seu ponto de vista ou refutar sua decisão. Pergunte-se a sim mesmo as possíveis razões do outro para pensar o que pensa ou agir com age. Ao refletir antecipadamente sobre esses aspectos, sobre as possíveis objeções ou as eventuais alternativas que possam vir a ser apresentadas, você estará mais bem preparado para se juntar ao outro numa jam session que espalhará no ambiente o maravilhoso som da solução criativa de problemas em conjunto.

* Quando o inesperado acontecer, preste atenção e seja curioso. Haverá surpresas que surgirão no decorrer de suas interações interpessoais que você não pode controlar ou planejar. Se você ficar surpreso com a reação do outro às suas ideias em vez de reagir defensivamente, pergunte-se “por quê?” e, melhor ainda, mantenha a calma no momento para lembrar que você já fez essa reflexão. Assim, você terá melhor chance de poder identificar o que exatamente você está provocando no outro e, como falamos de interações, do que essa reação do outro está provocando em você. Lembre-se que a reação do outro fornece informações importantes sobre seus interesses, suas expectativas, ou até suas ilusões. Reações fortes nos dizem que a outra pessoa se sente mal-entendida, desprezada ou, até, sob ataque. Se você também entrar nesse espiral, corre-se o risco de termos duas pessoas espertas e bem-intencionadas, perdendo o controle das suas emoções. Lembre-se o que o Daniel Goleman disse a respeito dessa situação na cita que abre este artigo…. Fique curioso e pergunte e, se for necessário, continue perguntando. Só depois de chegar à raiz do problema, você e o outro poderão começar a agir como ourives de Kintsugi e tentar resolver o problema juntos.

* Faça gestão ágil dos relacionamentos. Todos os 4 Valores fundamentais do Manifesto Ágil (tão falado nos últimos tempos) podem-se aplicar à gestão consciente e intencional dos relacionamentos no ambiente de trabalho. Privilegie às pessoas e os relacionamentos por sobre os processos, coloque “as coisas” a funcionar com prevalência sobre a documentação do assunto, colabore com o outro como foco do seu acionar além negociar contratos e responda às mudanças inevitáveis em relacionamentos prolongados em ambiente de tensão mais que ater-se a um plano prévio rígido ao lidar com a solução dos conflitos. Cada um dos roles e dos rituais das metodologias ágeis podem ser traduzidos e assimilados ao esforço necessário para lidar com situações de tensão e conflito num relacionamento no ambiente de trabalho. Ao final de contas, como disse Michael A. Cusumano (Professor do MIT e um dos pais das metodologias ágeis) “os pilares das metodologias ágeis são o trabalho coletivo e em equipe, com base na flexibilidade e, sempre, levando em conta as demandas dos outros representados pelo mercado em geral e pelos nossos clientes em particular.” A capacidade de lidar de forma efetiva com os relacionamentos, então, está muito mais associada ao comportamento dos participantes desses relacionamentos do que a quaisquer processos ou ferramentas e, por isso, o mindset adequado, as normas claras e o uso eficaz de alguns rituais de gestão são a base fundamental para a gestão ágil de relacionamentos, elegendo o MVP dos mesmos para começar, concertando-os rapidamente se fizer falta, colocando-os para funcionar novamente e melhorando-os constantemente, sprint após sprint.

O Modelo Kintsugi e o contexto do relacionamento

Modelo Kintsugi de 3 Pilares (Revisitar e agir sobre o “tom emocional” da relação neste momento, Articular um relato compartilhado da situação e Desenvolver perspicácia relacional) ajudará a reparar a maioria dos relacionamentos danificados.

Mas também é importante perceber que nem todos os relacionamentos têm que ser reparados. Há situações em que a melhor coisa a fazer é se afastar de um relacionamento ou, pelo menos, encontrar maneiras de contorná-lo se estamos frente a um relacionamento profundamente tóxico e/ou improdutivo com um outro no ambiente de trabalho.  Este é o caso quando um único incidente é tão flagrante (por exemplo, um episódio de assédio ou de comportamento antiético) ou uma mesma situação se prolonga no tempo (por exemplo, um chefe ou um colega consistentemente abusivo verbalmente).

Também pode ser o caso que o relacionamento, simplesmente, não valha mais a pena. Se você tentou deliberadamente se comportar levando em consideração os comportamentos do Modelo e o outro não demonstrou entendimento nem reciprocidade nos mesmos. O Kintsugi é impossível de ser realizado quando faltam peças. É uma técnica de restauração, não de reaproveitamento da peça quebrada a qualquer custo funcional ou estético.

Mesmo que nada de certo com a tentativa de restauração, você ainda pode ter aprendido muito com essa experiência de buscar restaurar um relacionamento. No entanto, se um relacionamento atingiu seu fim natural, use a experiência e as lições que você acumulou para construir bases mais sólidas para seus relacionamentos futuros, de forma tal que você tenha que praticar cada vez menos a nobre arte do Kintsugi na restauração de novos relacionamentos e possa agir mais e mais dentro do campo da preservação desses relacionamentos, trabalho feito com o mesmo cuidado com o qual um usuário cuida de uma peça original.

Apesar da busca quase utópica do relacionamento perfeito no trabalho, a realidade mostra que todos cometemos falhas, geramos mal-entendidos ou, de uma ou outra forma contribuímos para o aparecimento de tensões ou conflitos no ambiente de trabalho. A diferença é que enquanto algumas pessoas tentam esconder esse fato, a filosofia do Kintsugi consiste em não esconder as falhas, mas considerá-las de maneira positiva e valiosa uma vez resolvidas.

Enquanto outras formas de reparação acabam se deteriorando com o tempo, os reparos feitos com o Método Kintsugi são muito resistentes, tão resistentes quanto o objeto original. Quiçá por isso, o Método Kintsugi não esconde as restaurações feitas, pelo contrário as mostra, como aviso aos navegantes, que essa peça tem história, passou por um mal momento, sim, mas agora está tão sólida, tão funcional e até mais bonita que originalmente.

Por isso, aprenda a praticar o Método Kintsugi (na sua técnica e na sua filosofia) para se transformar num ourives habilidoso na restauração dos seus relacionamentos no trabalho, quando eles racharem ou até quebrarem após um desentendimento forte.

Todo relacionamento (assim como toda peça de cerâmica) pode rachar ou romper, a questão é se cada um de nós mostra desejo e capacidade de restaurá-lo após um desentendimento forte para ele voltar a ser uma fonte de energia para os envolvidos ou se, entregues ao silêncio ou à agressividade frente à situação, nos vemos obrigados a descartar a peça sem mais possibilidades de restauração, assim como pode ficar afetado um relacionamento pela presença de duas pessoas espertas, porém com suas emoções fora de controle. Nesse caso não há Kintsugi que resolva….

Rolando Pelliccia